Comer pouco nem sempre siginifica que a criança está se alimentando mal
É hora da refeição na escolinha. A menina Constança Spohr Brauwers, cinco anos, escolhe uma cadeira em volta da mesa. Ao lado dos colegas, conta que o irmão a apressou para chegar à aula e que nem lembra se tomou café da manhã. Durante o papo, pratos com um quadradinho de lasanha, alface, cenoura e couve-flor são entregues para cada um dos amigos. Constança olha para o almoço, analisa o conteúdo, pega a colher na mão. Um adulto auxilia os pequenos a cortar os alimentos. Ela espia os colegas, remexe na comida e se nega a tentar uma colherada sequer.– Cenoura é bom, mas não essa. Eu gosto mesmo é de comida de aniversário, brigadeiro, refri – diz.A pequena, com cara sapeca e olhos arregalados, não parece doente ou indisposta. Só que todos os dias passa pelo mesmo ritual. E, quando chega em casa, no fim da tarde, está faminta. Devora bisnaguinhas com queijo e catchup, copos de leite, frutas, bolachas recheadas.– Ela parece ansiosa. De dia não quer comer nada e, à noite, chora, insiste porque quer tudo. Ela inverteu o horário das refeições – conta a mãe, a auxiliar financeira Silvana Spohr.O pediatra diz que é um mau hábito, mas Constança pode estar tentando chamar a atenção da família ou sofrendo com a separação dos pais, sinais comuns que levam à falta de apetite das crianças.– Depois de excluída a possibilidade de alguma doença que normalmente afeta a fome, as causas mais comuns de rejeição a algum alimento são a recusa alimentar, em que o pequeno simplesmente não aceita nenhum tipo de comida, o pouco apetite – comum na fase pré-escolar – e o desinteresse pelo alimento – relacionado à forma como é oferecido –, explica a nutricionista Heloisa Sommacal.Quando há esperneios em frente ao prato, colheradas que não entram na boca e birra, não se deve fazer chantagens. Siga oferecendo, todos os dias, comida saudável, evitando dar alimentos pobres em vitaminas e minerais. A nutricionista Paula Leite Baldasso, especialista em nutrição materno-infantil, orienta que os pais devem colocar sempre a refeição no prato e evitar a substituição de alimentos caso a criança não coma.– Mesmo que ela resista, a comida deve estar lá. Os pais podem oferecer o alimento até 10 a 15 vezes para ver se ela gosta ou não. Se for por birra, os pais têm de dizer que o filho deverá esperar a próxima refeição – explica Paula.E como ficam os legumes, vegetais e cereais integrais, tão recusados pela gurizada? A recusa é normal, diz Heloisa, porque têm um gosto diferente do leite materno e das fórmulas infantis, que são os primeiros alimentos que as crianças experimentam. Mas o que influencia bastante são os hábitos da família. Então, para Constança comer, a mamãe terá de ser um pouquinho mais rigorosa com a filha.Prato Cheio– Crie uma rotina alimentar, com lanches em intervalos de três em três horas.– Evite ligar a TV na hora da refeição para evitar dispersões.– Deixe a criança tentar comer sozinha. Não tenha medo da bagunça. Assim, associará a alimentação com diversão.– Nunca reforce um comportamento negativo com críticas. Não diga à criança o quanto você está cansada ou o quanto ela se alimenta mal. Só comente os comportamentos positivos à mesa.– Não force a criança a comer quando ela demonstrar estar satisfeita. Cada criança tem um nível de saciedade diferente.– É aconselhável que as principais refeições reúnam a família toda à mesa. O clima precisa ser tranquilo e harmonioso para que associem a alimentação a um momento de felicidade.– Prove o alimento antes de oferecê-lo ao seu filho para confirmar se está saboroso e bom para o consumo.– Não encha o prato da criança de comida. Muitas vezes, a visão do prato muito cheio já é suficiente para cortar o apetite.– Paciência é fundamental. Sente-se com a criança, fale baixo, estabeleça limites, horários e rotinas.– Os pais devem ficar alerta quando a criança já não tem mais a mesma energia para brincar, dorme mais do que o normal e, principalmente, quando para de ganhar peso e de crescer. Ao perceber qualquer um desses sinais, o médico deve ser procurado.Só mais um pouquinho... (Correio Braziliense)A alimentação da criança é algo tão individual como a personalidade e a índole, diz a psicóloga Gillian Harris, professora da Universidade de Birmingham (Inglaterra). As escolhas dos pequenos devem, sim, ser orientadas e respeitadas. Já as preocupações paternas só devem surgir quando houver, de fato, um problema.De acordo com um relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS), redigido pelos médicos Elsa Giugliani e Cesar Victora, tanto fatores fisiológicos quanto sociais, culturais e psicológicos podem desencadear a perda de apetite e a dificuldade na ingestão de alimentos.Medo de comidaMuitas vezes, a fobia alimentar tem causas emocionais e surge como protesto. Mudança brusca, nova rotina, nova escola, ausência de algum familiar ou a chegada de um irmão podem ser sintomas. Se a rejeição não é apenas uma simples preferência e influi no crescimento e ganho de peso, é importante avaliar se a criança está com fobia. E, nesse contexto, como explica a psiquiatra Carolina Zadrozny da Costa, existem vários níveis de gravidade e diferentes formas de apresentação.– Quando há perda de peso, fraqueza, desânimo, ou mesmo muito estresse familiar, é bom que os pais conversem com um profissional para um tratamento – explica Carolina.A descrição mais comum de uma fobia é quando a criança demonstra medo (taquicardia, suor, tremedeira, choro, gritos, vômito) na hora da refeição, ao sentar-se à mesa ou quando o talher se aproxima da boca.Existe mesmo um problema?Quando uma mãe entra no consultório com a clássica reclamação de que o filho não come, diversos aspectos devem ser avaliados. Primeiro: não come ou come pouco? Se come pouco, come o suficiente para não perder peso? Come, mas come mal?– A queixa nem sempre é verdadeira. Os pais tendem a distorcer a realidade – afirma o pediatra e nutrólogo Mário Cícero Falcão.Para o médico, o importante é saber se o que ela come e o quanto come são suficientes para o crescimento saudável. É preciso verificar se ela consome carboidratos (pois são energéticos), proteínas (construtores) e micronutrientes, como o cálcio e o ferro.– Distúrbios alimentares são queixas frequentes, especialmente a neofobia (medo de experimentar comidas novas). O comportamento pode ser um traço da personalidade da criança – pondera a pediatra, nutróloga e gastroenterologista Liliane Maria Abreu Paiva.Nesses casos, os pais devem entender. Muitas crianças comem pouco porque simplesmente o pouco é suficiente. Outras comem mal porque existem guloseimas ao alcance. Algumas são extremamente seletivas por terem um paladar sensível e, em muitos casos, imitam o padrão alimentar de um dos familiares.Qual é o perfil do seu filho?Criança que não come– É o tipo mais raro. Se não come nada, deve ser acompanhada por algum profissional.– O que fazer: procurar um profissional que avalie o motivo da greve de fome.– Riscos: desnutrição, anemia e prejuízos no crescimento.Seletivo– Opta apenas por alguns alimentos. Pode apresentar sinais de fobia quando colocada diante de alguma comida que julga asquerosa ou nojenta.– O que fazer: ele quase sempre tem órgãos sensitivos muito apurados. Os pais devem equilibrar a vontade de introduzir novos alimentos com o desejo da criança. Converse com ela, incentive e nunca a obrigue a comer o que não quer.– Riscos: a depender da dieta, ela pode ter algum déficit de minerais, vitaminas ou nutrientes.Come muito mal– Alguns pais têm orgulho ao ver o filho repetir o prato ou comer um pacote de biscoitos inteiro. Muitas vezes, essa criança corre mais riscos do que a que come pouco.– O que fazer: crie uma rotina para evitar que ela coma a toda hora. Ofereça refeições mais saudáveis e em menores quantidades. Se ela reclamar, explique a situação.– Riscos: a obesidade e a diabetes são os maiores riscos.Come pouco– O nível de saciedade varia de criança para criança. Se ela não estiver perdendo peso e continua a se desenvolver normalmente, respeite as quantidades aceitas por ela.– O que fazer: observe se a criança não está beliscando alimentos entre as refeições ou se o fato de comer pouco não passa de preguiça. Não encha o prato dela. Dê pequenas quantidades.– Riscos: perder peso e comprometer o desenvolvimento.Odeia comida– Ela chora à mesa e faz cara feia para quase todo tipo de comida. Pode ter fobia alimentar.– O que fazer: não force, não insista, não grite. Tente tornar a refeição um momento agradável, que ela compartilhe, mesmo sem comer. Deixe o prato com alguns alimentos perto dela, mas não a obrigue a comer. Compre pratos coloridos, garfos divertidos e copos, mas não comente a mudança. Elogie quando ela experimentar algo.– Riscos: a fobia pode atrapalhar o desenvolvimento da criança, que pode ter anemia, cansaço e desnutrição.Traumatizado– Algumas crianças não comem porque criaram um bloqueio mental com certos alimentos.– O que fazer: não force. Para ela, comer algo que a lembre um episódio ruim pode ser uma tortura. É importante tentar ligar os fatos e procurar um terapeuta.– Riscos: o problema é desconhecer a origem da fobia. Se forçada, a criança pode desenvolver mais aversão.Carente– Muitas vezes, a criança passa a comer menos, ou mal, para chamar a atenção para alguma carência afetiva. As mais suscetíveis são as que estão passando por mudanças.– O que fazer: tenha calma. Não force, seja carinhoso, reforce o quanto a ama e o quanto ela é importante, e converse muito sobre a nova situação.– Riscos: perda de peso, que pode atrapalhar o desenvolvimento da criança.
Fontes: Gillian Harris e Mário Cícero Falcão
Anelise Zanoni anelise.zanoni@zerohora.com.br
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